sábado, 6 de novembro de 2010

A responsabilização penal do adolescente: um breve relato.

No Brasil, o tratamento dispensado aos jovens infratores é motivo de preocupação especial, levando-se a questionamentos sobre a capacidade do Estado em responder com medidas adequadas e pertinentes à solução dos conflitos de natureza penal. Nesse contexto, a redução da idade a partir da qual os adolescentes passassem a responder criminalmente por seus atos, bem assim a maior rigidez do sistema socioeducativo, são duas medidas que, a cada dia, reúnem mais adeptos.

Numa perspectiva histórica, nosso país já tratou seus jovens como se adulto fossem, quando a eles eram destinadas as mesmas sanções e sujeitos a encarceramentos de forma indiscriminada. Passou-se, posteriormente, a institucionalizar o “menor deliquente” com a ideia de tutela e proteção. Era a época do sistema FEBEM, que reunia no mesmo espaço de confinamento crianças e adolescentes autores de infrações penais com aqueles que eram vítimas de abandono, maus tratos, exploração sexual e outras situações consideradas como desvio social.

Fracassadas essas tentativas, hoje se adota a chamada Doutrina da Proteção Integral, considerando-se crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não mais como objetos do mundo adulto. É a Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que define as linhas para a Justiça Juvenil, ao exigir que o atendimento do adolescente em conflito com a lei seja adequado à sua proteção integral e compreenda ações voltadas a diversos setores, em especial à educação e à assistência social.

Disso advêm as mais variadas discussões que resultam, na maioria das vezes, no pensamento comum de que a Justiça Juvenil não “pune”, como deveria, os menores de dezoito anos de idade autores de ato infracional (conduta descrita como crime). Ou mesmo a ideia de que a partir dos dezesseis anos, ou até dos catorze, o jovem já teria ampla consciência dos seus atos e, por isso, deveria estar incurso na Justiça Comum.

No entanto, o que se observa de uma análise mais detida do Estatuto da Criança e do Adolescente é que, embora não sujeito às penas do Direito Penal, a pessoa maior de doze anos pode ser incluída em medidas severas: três anos de internação numa espécie de regime fechado, outros tantos de semiliberdade, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, soma que pode resultar em até nove anos incurso no sistema de medidas socioducativas.

Fazendo-se um paralelo com a “justiça do adulto”, onde o autor de lesões corporais tem uma pena máxima de um ano de detenção ou quatro anos de reclusão para o crime de furto (cerca de 90% dos atos infracionais cometidos por adolescentes na Comarca de Mossoró), percebe-se, claramente, que é apenas aparente o pensamento comum de que “a lei passa a mão e acoberta os atos dos menores de idade”.

Outrossim, é evidente que os adolescentes são pessoas plenamente capazes de entender o caráter de ilicitude presente em algumas situações, bem como de se determinarem por esse entendimento. Logo, o afastamento dos mesmos da Justiça Criminal deve ser entendido como uma garantia a mais que os jovens detêm em relação ao mundo adulto, em consonância com a prioridade que devem receber em todas as áreas, por serem pessoas que ainda se desenvolvem.

O respeito a pessoa humana não se expressa com a declaração de incapacidade, mas no estabelecimento de capacidades diferentes. É esse justamente o fundamento de um sistema diferenciado de responsabilização, o da responsabilidade penal juvenil. Assim, já percebemos claramente que não é a redução da maioridade penal que resolverá o problema da violência juvenil. Isso porque a legislação hoje vigente é plenamente apta ao controle desse problema, responsabilizando os infratores, até de forma mais gravosa que a Justiça Comum, na exata medida de sua culpabilidade.

O que ocorre é que não devemos observar o cometimento de infração pelos jovens apenas como de natureza jurídica, mas sim como dotado de aspectos psicológicos e sociais. Simplista, então, é a ideia de caracterizar esse tipo de conflito como um fato que vai de encontro aos interesses do Direito Penal. Antes disso, devemos compreender que verdadeiramente há uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a sociedade que precisam ser restauradas.

É inegável que a precariedade na rede pública de saúde e ensino, bem como o crescente envolvimento dos jovens com as drogas, são os fatores de potencialização do envolvimento em condutas criminosas. Por isso o cometimento do ato infracional traz características peculiares e necessita de uma forma diferenciada para o efetivo exercício do controle social.

Prefiro acreditar no sucesso do sistema socioeducativo, apostando na capacidade das pessoas ainda em formação, a jogá-las precocemente num sistema carcerário falido, com chances remotas de reabilitação, quando não propicia o efeito contrário: tirar um jovem da sociedade e transformá-lo num adulto criminoso.


Riccely Dutra

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