sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O processo de realização do trabalho – Novas formas ou velhos paradigmas?

Entre as grandes transformações ocorridas na sociedade, temos a reconceitualização do trabalho humano. Desde a antiguidade, passando pelas concepções escravistas, capitalista e Marxista, dentre outras, o conceito de trabalho tem sofrido profundas alterações, as quais expressam mudanças econômicas e formas de produção próprias de cada contexto.

É de nosso conhecimento que o trabalho que vigorou por quase todo o século XX, caracterizou-se, principalmente, pela anulação do desenvolvimento das capacidades do “saber fazer” do trabalhador, o qual era visto como simples apêndice de uma máquina e sofria com o trabalho repetitivo, mal-pago, intenso e insalubre, ao tempo em que diminuía as possibilidades de aperfeiçoamentos profissionais. Em matéria publicada no jornal “A razão”, em maio de 2003, Holgonsi Soares, reforça que esta concepção de trabalho reduzia as operações produtivas apenas ao aspecto físico maquinal, negando a participação ativa da inteligência, da fantasia e da iniciativa do trabalhador.

No entanto, as novas formas de organização do trabalho trazem outra perspectiva para os trabalhadores, centrada principalmente no “fator humano”. Nesse contexto, ganha espaço a autonomia no trabalho, a “liberdade” na realização das tarefas, a participação dos trabalhadores na organização das empresas, bem como a oportunidade de influenciar nas decisões. Notadamente ocorreram “profundas” transformações no processo de trabalho. Mas será que essa “liberdade” não veio revestida de maiores desigualdades no que concerne à autonomia no trabalho? Será que essas formas flexíveis de “valoração do trabalho” não trazem em si um certo agravamento das desigualdades? É bom refletirmos.

Neste novo modelo, outras habilidades estão sendo demandadas. Há um aumento das exigências de aptidões e das competências, considerando-se uma gama de conhecimentos mais amplos, exigência de capacidade para resolução de problemas, exigência para tomada de decisões autônomas, capacidade de abstração e comunicação escrita e verbal. Somando-se a isso, o trabalhador deve ser polivalente e com maior nível de escolaridade. Polivalente no sentido de multiqualificado, aquele que é capaz de desenvolver e incorporar diferentes competências e repertórios profissionais.

Em seu artigo NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E AUTONOMIA NO TRABALHO Ilona Kovács afirma que não há consenso acerca da natureza e da direção da transformação do modo de produzir os bens e serviços. Para uns estamos numa nova era, caracterizada pela passagem da produção em massa de produtos e serviços estandardizados em quadros organizacionais rígidos para um novo sistema produtivo caracterizado pela diversidade, flexibilidade, inovação e cooperação. Já numa perspectiva crítica e pessimista, a autora comenta que há, pelo contrário, uma tendência para o reforço dos princípios tayloristas e do controle e, por conseguinte, para a redução da autonomia no trabalho, bem como para o aumento do desemprego e da desqualificação

Temos hoje uma necessidade urgente de novas aptidões e habilidades para o trabalho, levando-se em conta uma série de conhecimentos mais específicos, exigência de saberes diferenciados, de capacidade resolutiva, de autonomia para tomada de decisões e ampla capacidade de comunicação. Enfim, o trabalhador deve ser polivalente e ter conhecimento para atuar de forma multidisciplinar, isto é, aquele que é capaz de desenvolver e incorporar diferentes competências profissionais. Mas não seria no mínimo uma incoerência exigir um conhecimento amplo e irrestrito dos trabalhandores, num mercado em que os especialistas são os mais “valorizados”? Esse é mais um ponto para refletirmos.

Nosso modelo impõe exigências muitas vezes difíceis de serem incorporadas e executadas pelos trabalhadores. Nesse sentido, Holgonsi Soares analisa que ao não responderem determinadas exigências, estes indivíduos tornam-se desempregados ou inserem-se em novas formas precárias de trabalho. Some-se a isto uma outra grande parcela desprovida totalmente das condições mínimas para o trabalho, e para os quais a impossibilidade de fazerem parte do novo mundo do trabalho é estrutural e permanente. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, mais de 700 milhões de pessoas estão desempregadas ou parcialmente empregadas, constituindo-se isto num dos maiores problemas sociológicos da pós-modernidade.

Não muito raro, nos deparamos com situações onde as “novas” formas de trabalho nos remetem a um cenário de forte vulnerabilidade social dos trabalhadores, enraizados em grande parte pela desigualdade, vulnerabilidade e incertezas. Particularmente, não percebo uma preocupação na tentativa de valorizar o homem no processo de trabalho. Os velhos pradigmas ecoam, revestidos de “novas ideologias”. É a pior das faces do mundo pós-moderno que continua tendo como referência valores como lucro, velocidade, competição, individualismo, generalidade do conhecimento, polivalência das habilidades, sob os quais são demandadas as competências para o mundo do trabalho. À luz da verdade, avançamos no processo de trabalho? Talvez já tenhamos uma resposta ou devamos esperar outras revoluções ou involuções? A “nova” concepção de trabalho continua sendo construída, no entanto fica-nos uma reflexão, dentre tantas: Por que o homem, o bem mais precioso de todo processo, continua sendo o principal “alvo” de toda revolução tecnológica, da instabilidade dos valores, do processo de globalização? O ser humano continua sendo um ser desumanizado.

                                                                                                                   Alexandre Dantas de Medeiros

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