sexta-feira, 1 de julho de 2011

Afinal, casais homoafetivos podem casar?

Tema de grande destaque no momento é a possibilidade do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, fato que desperta na sociedade uma série de questionamentos. Afinal, juridicamente o que está acontecendo? É possível, no Brasil, o casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Como bem divulgado pela imprensa, o Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente reconheceu a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo. Após essa decisão histórica, não demorou muito até se noticiar a realização de casamento (conversão de união estável em casamento) entre pares homoafetivos.

A partir daí, boa parte da sociedade e, inclusive, a própria comunidade jurídica suscitaram os seguintes questionamentos: Pode o Judiciário admitir o casamento entre casais homoafetivos, mesmo o Código Civil e a Constituição Federal expressando que o casamento, bem como a união estável, se dará entre homem e mulher? Estaria uma decisão do STF violando a própria Constituição?

De início, faz-se importante frisar que no último mês o STF interpretou o art. 1723 do Código Civil conforme à Constituição, reconhecendo a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com a atribuição das mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva.

Ocorre que o § 3º do art. 226 da Constituição Federal preconiza que é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar e que a lei deverá facilitar a conversão dessa união em casamento.

Importante mencionar que toda a discussão gira em torno do conceito de entidade familiar. Com efeito, a família tem natureza plural e sua base é o afeto, tendo como nota essencial, o animus dos conviventes em manterem uma união contínua, pública e duradoura. Nessa ótica, família é um conceito (uma experiência) distinto e infinitamente superior ao de casamento. Na verdade, para o Direito o casamento é tão somente um ato formal que produz determinados efeitos (pessoais e sociais) sobre o estado e patrimônio dos envolvidos. Assim, o casamento é apenas mais um dos inúmeros modelos pelo qual a entidade familiar pode se formalizar.

Tendo em vista a evolução das relações sociais, com o surgimento de novos agrupamentos familiares (a exemplo da família monoparental e da homoafetiva), e a omissão do Poder Legislativo em regular tais institutos, o STF superou essa lacuna dando interpretação à Constituição Federal no sentido de se estender o conceito de entidade familiar além da formada exclusivamente por homem e mulher.

Então, se o STF decidiu que a união estável entre pessoas do mesmo sexo terá os mesmos requisitos e prerrogativas da caracterizada entre casais heteroafetivos, por que não se aplicar um dispositivo constitucional que confere aos conviventes a possibilidade de ter sua união convertida em casamento?  Não há motivo nem mesmo para existir tal polêmica, já que a discussão é mais de ordem lógica do que jurídica.

Alguns grupos mais conservadores da sociedade ainda afirmam que o Brasil deveria decidir esse assunto por consulta popular via plebiscito – nada mais falacioso. Em nenhuma hipótese os direitos de minorias podem ser decididos pela maioria, visto que são questões de natureza contramajoritária que já evidenciam opressão pelos interesses sociais predominantes, sendo prejudicial qualquer resposta de feição utilitarista.

Nesse ponto, o Constitucionalismo assume justamente a função de limitar a democracia, pois é um típico caso em que a maioria pode “negar o outro”.  Ou seja, os princípios de igualdade e liberdade ínsitos ao regime constitucional servem como parâmetros de validade aptos a limitarem a vontade da maioria.

Como exemplo dessa discussão, pode-se perguntar: Hitler foi democrático? A resposta seria positiva caso a democracia seja enfocada unicamente como um discurso da maioria, já que assumiu o poder de maneira legítima e tinha o apoio da quase totalidade do povo alemão. Todavia, é importante esclarecer que o governo do Führer denotava a exclusão do “inimigo”, ou seja, a negação da liberdade e igualdade de uma minoria. Por mais legítima e democrática que parecesse, essa ordem só expressava dominação e autoritarismo.

Portanto, o argumento que defende a realização de plebiscito para decisão sobre casamento homoafetivo não está muito distante da realidade apontada. Ademais, não há razão para isso, sendo certo que, se se reconhece a união estável homoafetiva como entidade familiar, por conseguinte se deve reconhecer também todos os efeitos dela decorrentes – incluindo, logicamente, a conversão em casamento.

Outrossim, como mais uma decorrência lógica dessa decisão histórica do STF, vislumbra-se a possibilidade da adoção de criança e de adolescente por casais homoafetivos, inclusive a adoção unilateral, onde um dos parceiros adota o filho biológico do outro. Tal permissivo legal vem do §2º do art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente que estabelece a adoção conjunta, a qual tem como requisito o casamento civil ou mesmo a união estável, desde que comprovada a estabilidade familiar.

Acredita-se que muito ainda será discutido e questionado acerca do casamento de pessoas do mesmo sexo e das implicações desse ato. O Direito, como instrumento de controle social, deve estar apto a acompanhar demandas sociais tão complexas e dinâmicas como as que hoje se apresentam, não ficando à parte de grupos familiares que já se mostram como realidade.

Diego Alekes Fontes de Sousa
Sergio Riccely Dutra de Oliveira

*Foto obtida através do serviço Google Imagens.

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